quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Indicação de leitura: Revista Época Negócios Outubro 2009

Este mês a Revista Época Negócios traz uma reportagem de 18 páginas muito interessante.

Postei abaixo 2 partes que compõe essa matéria que fala sobre como fica a sua mente com a nova economia.

[Priscila $aito - Eco 6 SA]

Sua mente e a nova economia

Como psicólogos, estatísticos, neurocientistas (e até economistas!) trabalham para decifrar o cérebro de consumidores e investidores e reescrever a teoria econômica que há um ano levou o mundo à crise

Por Alexandre Teixeira e Edson Porto

Em laboratórios médicos assépticos, como o Centro de Ciências de Neuroimagem, em Londres, uma revolução econômica é tramada. Separados da ação por vidros grossos, neuroeconomistas observam a entrada de cobaias humanas em câmaras do tamanho de um automóvel e 32 toneladas de peso. Normalmente entra-se nessas máquinas para diagnosticar tumores não detectados por tomógrafos convencionais. Neste caso, voluntários são pagos para participar de jogos que simulam situações de consumo, aplicações financeiras ou poupança. Esse gigantesco equipamento – adquirido por um punhado de centros de pesquisa espalhados pelo mundo, ao custo de até US$ 4 milhões – produz o que os neurocientistas chamam de Imagem por Ressonância Magnética Funcional. O aparelho rastreia, com precisão milimétrica, o cérebro do voluntário, medindo a quantidade de sangue oxigenado nas diferentes áreas que o compõem e identificando quais delas “acendem”, destacando-se em vermelho fogo, quando tomamos decisões de compra ou investimento.


Pesquisadores de mercado já sabiam que, ao provar o mesmíssimo vinho apresentado em garrafas de R$ 20 e de R$ 100, consumidores dizem preferir o mais caro. Com auxílio da ressonância magnética, descobriu-se que um gole do vinho de R$ 100 efetivamente “acende” mais o córtex orbitofrontal (área do cérebro sensível a recompensa e punição) do que o de R$ 20. Do mesmo modo, usando a neurociência para entender a aversão ao risco, pesquisadores constataram que o medo de perder dinheiro é um processo químico no cérebro do investidor. Uma experiência conduzida na Alemanha replicou uma situação de tomada de decisão, pedindo a voluntários monitorados por tomógrafos que escolhessem entre fundos de investimento domésticos e estrangeiros. O teste revelou níveis de atividade significativamente mais altos nas áreas do cérebro identificadas com o medo de prejuízos quando os participantes analisavam fundos com ativos fora da Alemanha – mesmo que eles não fossem intrinsecamente mais arriscados.

A ressonância magnética é uma das ferramentas importantes da neuroeconomia, uma das ciências multidisciplinares que se apresentam como linhas auxiliares do esforço acadêmico e empresarial para resgatar a economia do beco sem saída em que se viu metida desde a eclosão da Crise de 2008. Há técnicas mais complexas (e assustadoras), como a Tomografia com Emissão de Pósitrons, que exige a injeção de soluções radioativas no cérebro para a realização de experiências, ou os estudos de pacientes com lesões cerebrais. A finalidade, no entanto, é a mesma. Entender, de verdade, como funciona o cérebro econômico de homens e mulheres de carne e osso – e livrá-los das abstrações grosseiras que os transformaram em máquinas obstinadamente racionais de tomar decisões. Economistas de boa-fé agora admitem que simplificaram demais as coisas e construíram teorias sobre os mercados tratando consumidores e investidores como caixas-pretas. Seus colegas nos laboratórios de neurociência se oferecem para abri-las.

Usando a neurociência para entender a aversão ao risco, pesquisadores
descobriram: o medo de perder dinheiro é um processo químico cerebral

“Pensar sobre como o cérebro implementa decisões econômicas, comparado a pensar sobre escolhas resultantes de preferências e crenças, é como trocar a TV em preto e branco por uma em cores”, compara Colin Camerer, um dos pioneiros da neuroeconomia. A imagem resultante não é bonita como a do homo economicus, ser mitológico que habita os livros-texto de economia e foi debochadamente descrito pelo economista comportamental Richard Thaler como capaz de “pensar como Albert Einstein, armazenar tanta memória quanto o Big Blue da IBM e ter a força de vontade de Mahatma Gandhi”. Na TV em cores da neuroeconomia, fica claro que o tal homem econômico não existe, é fruto da imaginação pouco fértil dos economistas ortodoxos. Com seu cérebro escaneado, homens e mulheres surgem emocionais, contraditórios, medrosos – em suma, humanos. É sobre essa gente de verdade que um grupo de pensadores originais se propõe a mergulhar.

Tido por muitos como o pai da economia comportamental, Thaler acredita que a crise que abalou as finanças globais terá impacto profundo na forma de pensar dos economistas. Aos 64 anos, ele diz que, ao longo de sua carreira, nunca havia visto seus colegas tão envolvidos com uma crise econômica contemporânea. “Economistas raramente falam de economia no almoço ou no café. Agora é tudo o que eles discutem”, disse a Época NEGÓCIOS, de sua casa, em Chicago. Para Thaler, a Crise de 2008 será “um ponto de inflexão para a teoria econômica, como foi a Grande Depressão na primeira metade do século passado”. Segundo ele, os economistas levaram muito tempo para entender o significado da Crise de 1929, mas ela alterou – e, em alguns casos, enterrou – teorias econômicas amplamente aceitas nas décadas anteriores. Thaler entende que o mesmo pode acontecer agora, embora acredite que esse será um processo longo e tortuoso. “Ainda estaremos estudando esta crise daqui a 30 anos.”

Se a sociedade culpa os banqueiros por tudo o que aconteceu de meados de 2007 para cá, há na academia quem aponte dedos acusadores para teóricos do pensamento econômico. “A profissão de economista deve ficar com muito da culpa pela crise. Se for para se tornar útil de novo, ela deve passar por uma revolução intelectual – tornando-se ao mesmo tempo mais ampla e humilde”, escreveu Anatole Kaletsky, comentarista econômico do Times, de Londres. No mundo todo, intelectuais que passaram os últimos anos de castigo, acusados de contrariar o senso comum, levantam a voz para condenar quem os condenou. “A crise fala por si. As anomalias foram grandes demais”, diz o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. “O mundo está aberto a novas ideias.”


NEUROIMAGEM_A ressonância magnética funcional permite rastrear com precisão os cérebros de voluntários e identificar as áreas que “acendem” quando tomamos decisões econômicas

ECONOMIA + PSICOLOGIA

O VELHO ADAM_O pensador Adam Smith (1723-1790): sua obra A Riqueza das Nações inaugura a economia moderna

Há quem entenda que a economia comportamental foi concebida por Gary Becker nos anos 70. De fato, foi ele quem incorporou definitivamente uma série de lampejos da psicologia à pesquisa econômica. “Mas sempre houve um casamento entre economia e psicologia”, afirma Roberta Muramatsu, professora de economia do Mackenzie e do Insper e estudiosa da neuroeconomia.

A separação entre as duas disciplinas se deu quando os economistas mais matemáticos roubaram a cena dos pensadores, digamos, humanistas. Foi uma decisão provocada pela falta de ferramentas para medir felicidade, satisfação e prazer. Cobrava-se jocosamente dos antecessores de Thaller e Kahneman a construção de um “hedonímetro” capaz de mensurar essas sensações. Sem isso, alegavam seus críticos, não seria possível dar respeitabilidade à economia como ciência. Ali, na virada do século 19 para o 20, entravam em cena os economistas chamados até hoje de neoclássicos.

Em economia, a ideia de que os seres humanos são entes racionais que sempre perseguem seu autointeresse pode ser traçada até os escritos pioneiros de Adam Smith, no século 18. Tornou-se célebre a frase do economista e filósofo, em seu livro A Riqueza das Nações: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos pelo nosso jantar, mas da consideração deles pelo interesse próprio”. A lenta evolução dessa ideia desaguaria na hipótese das expectativas racionais, formulada nos anos 70 por dois economistas da Universidade de Chicago, Robert Lucas e Thomas Sargent. Preconiza que a economia deve ser vista como um sistema mecânico, regido por leis definidas, imutáveis e universalmente entendidas. Na média, as expectativas de todos os agentes do mercado estariam sempre corretas, já que, supostamente, levam em conta toda a informação disponível.

Essa visão permitiu tornar a economia uma disciplina mais científica e gerou modelos matemáticos sofisticados para fazer previsões (em teoria precisas) sobre os preços futuros de ativos como ações, moedas, commodities e imóveis. Levada a extremos nas décadas seguintes, instalou-se nas finanças e deu origem à teoria dos mercados eficientes. Ela pressupõe um modelo bem definido de comportamento econômico seguido por todos os participantes do mercado. Mercado esse que, povoado por pessoas racionais e competitivas, seria sempre o instrumento mais eficiente para estabelecer o melhor valor dos ativos.

Em economia, a ideia de que os seres humanos são entes racionais que
sempre perseguem seu autointeresse pode ser traçada até Adam Smith

O economista Roman Frydman conta que, quando trocou a Polônia pelos Estados Unidos, no final dos anos 60, ficou surpreso ao conhecer as teses econômicas que estavam se consolidando nas universidades do país. “Os americanos achavam que era possível criar modelos matemáticos para explicar de maneira precisa o funcionamento dos mercados”, afirma. Curiosamente, segundo Frydman, essa visão mecanicista e a fé na capacidade de prever matematicamente o comportamento da economia tinham grande semelhança com as hipóteses predominantes nas economias socialistas. A diferença é que o mercado fora colocado no lugar do planejamento central. “Por causa da minha experiência na Polônia, eu sabia que não era possível prever como todos os agentes do mercado tomariam suas decisões, e que criar um modelo tão preciso era impossível. Em 1982, escrevi meu primeiro trabalho sobre o assunto e, desde então, me oponho a essa ideia, mas minha contestação foi amplamente ignorada.”

Vingado pela história, Roman Frydman é um dos raros economistas que, além de críticas, oferece uma teoria alternativa às teses econômicas dominantes. Ela foi batizada de Economia do Conhecimento Imperfeito e transformada num livro de mesmo nome, lançado em 2007. Sua visão contraria o que foi senso comum por 30 anos: os mercados são inerentemente imperfeitos, e as expectativas mudam constantemente, sendo impossível criar um modelo confiável para prever comportamentos e preços futuros. Atenção: Frydman diz que os mercados não são irracionais. O ponto é que as grandes flutuações são parte integrante de como eles funcionam, sendo impossível eliminá-las ou prevê-las com precisão. O máximo que se pode fazer, usando a Economia do Conhecimento Imperfeito, é identificar quando um preço está se comportando fora do padrão histórico e usar essa informação para buscar indicações do que deve acontecer.

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